sexta-feira, 3 de outubro de 2008

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Negócios

O repórter virou notícia Por que mais e mais jornalistas assumem posições de comando em grandes corporações brasileiras e multinacionais

AS CADEIRAS DE PRESIDENTES E DIRETORES de primeiro escalão sempre foram ocupadas por economistas, administradores e engenheiros. Com facilidade de lidar com números e dotados de raciocínio lógico, esses profissionais atendiam às necessidades de empresas “quadradinhas”, com organogramas bem definidos e pouco expostas à competição. Nos últimos anos, o cenário mudou: a concorrência tornou-se mais aguda e assuntos como sustentabilidade e inovação ganharam espaço na agenda dos manda-chuvas do mundo corporativo. Economistas, administradores e engenheiros se adaptaram, mas o novo ambiente abriu as portas para profissionais de outras áreas, sobretudo aqueles com visão mais generalista. Por isso, executivos com diploma de jornalismo começaram a pipocar aqui e ali nas grandes corporações brasileiras. “Os jornalistas, pela natureza de seu trabalho, lidam com muitas variáveis ao mesmo tempo”, diz o headhunter Francisco Ramirez, da ARC Recruiting. “E hoje esse tipo de habilidade é fundamental no universo corporativo, que muda constantemente.” Essa característica foi decisiva na escolha do local da fábrica da Volkswagen Caminhões em 1995, quando Miguel Jorge, hoje ministro do Desenvolvimento, era um dos principais dirigentes da montadora. Os nomes de duas cidades estavam na mesa do presidente da empresa, o belga Pierre-Alain De Smedt: Resende, no Rio de Janeiro, e São José dos Pinhais, no Paraná. “Seria uma escolha meramente técnica, mas fiz uma ponderação”, recorda Jorge. A imagem do Rio de Janeiro estava muito prejudicava dentro e fora do País, sobretudo devido à chacina da Candelária, quando um grupo de crianças foi executado por policiais em frente a uma igreja no centro da cidade. “Se escolhêssemos Resende, daríamos um sinal de confiança no País e solidariedade à cidade, que é o principal cartão-postal do Brasil”, diz. A idéia encantou Smedt e Resende venceu.
























Essa capacidade de “juntar acontecimentos”, como diz Jorge, e com eles desenhar o cenário para os meses seguintes tem colocado jornalistas na mira de headhunters e empresários. “Hoje, há um bombardeio de informações, vindas das mais variadas fontes”, afirma Ramirez. “Se o executivo não estiver antenado, pode tomar decisões erradas.” Economista de formação e jornalista de vivência, José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, utiliza até hoje a experiência adquirida como repórter, chefe de reportagem e editor de assuntos internacionais da Tribuna da Bahia. “Nessa trajetória adquiri a capacidade de articular as idéias e comunicá- las rapidamente, o que é importante para um executivo”, conta ele. Outra “lição” extraída daqueles tempos foi como se comportar diante dos antigos colegas. “Em momentos de tensão, uma entrevista coletiva é um risco, devido à pressão dos jornalistas”, afirma Gabrielli. “Se você não tiver autocontrole e imaginar as conseqüências de suas palavras, vai cometer deslizes.”

Gabrielli sabe que jornalistas vivem sob o império da pressão, seja na caça por notícias, seja nos estreitos prazos para a conclusão de seu trabalho. É uma tensão forte para quem trabalha em redação, mas pode ajudar quando se coloca o chapéu de executivo. “Aprendi a controlar mais as emoções e me manter tranqüilo mesmo nos momentos de crise”, afirma Antonio Brito, vice-presidente da Claro. Brito deixou a carreira de repórter da Rede Globo para se tornar porta-voz de Tancredo Neves, recém-eleito para a Presidência da República em 1984. Neves morreu antes de assumir e Brito iniciou uma trajetória política que atingiu seu auge quando se elegeu governador gaúcho. A carreira corporativa teve início na Azaléia, fabricante de calçados. “Assumi a presidência logo após a morte de Nestor de Paula, o fundador, homem muito querido internamente”, recorda ele.“Tinha que me comunicar com 18 mil funcionários. Minha formação jornalística ajudou-me a identificar a linguagem adequada para cada público.” Brito tinha traquejo, já que, em boa parte de sua carreira, viveu situações de grande exposição. Num mundo em que um celular pode servir como câmara de tevê, qualquer executivo precisa estar preparado para lidar com situações dessas. O presidente do Google, Alexandre Hohagen, passou por um duro teste meses atrás. Jornalista, ele se viu na mira de câmeras e microfones ao sair do Congresso, onde depôs sobre o uso do Orkut por pedófilos, caso que lançou a empresa na berlinda no Brasil. “Naqueles momentos, coloquei em prática as recomendações que fazia aos executivos em meus tempos de assessor de imprensa”, diz Hohagen. Olhos voltados para o interlocutor, frase curtas e completas, firmeza na voz, equilíbrio diante de perguntas capciosas – Hohagen utilizou os mandamentos da boa comunicação. “Internamente também usei-os para transmitir que não haveria ruptura na trajetória da empresa”, diz ele. “Se não acreditasse na comunicação, não teria me saído bem da crise.”

























Muitas vezes, a herança dos tempos de jornalismo se manifesta na formação da personalidade e não no aparato técnico oferecido pela profissão. Durante cinco anos, no início da década de 60, Alcides Amaral, ex-presidente do Citibank no Brasil, trabalhou nos Diários Associados, do lendário Assis Chateaubriand. Diversas vezes, Amaral foi à casa do patrão e observou a romaria de “políticos e poderosos se submetendo aos caprichos de Chatô.” “Ali percebi que não há diferença entre as pessoas e isso me trouxe auto-estima e também humildade mesmo nos períodos de mais prestígio de minha carreira”, conta. Amaral também foi testemunha da força de vontade de Chatô em continuar escrevendo mesmo depois de um derrame praticamente deixá-lo paralítico. “Com ajuda de uma máquina de escrever especial, ele continuava a redigir seus editoriais”, conta Amaral. “Percebi que não há limites para a determinação de alguém.”


Fonte: IstoÉ

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