quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Análise-Confiança


Entrevistas
Quando a imprensa não merece confiança

Jornalistas não gostam de dar entrevistas porque têm a mesma suspeita do público de que suas palavras serão distorcidas e por isso pedem para falar em off , mas depois reclamam do que vêem publicado

Como produtores de morangos que não comem os próprios morangos, porque sabem quanto veneno borrifaram neles, jornalistas não gostam de dar entrevistas — e quando dão, reclamam do que lêem. Gente que vive direta ou indiretamente de entrevistas, como donos de grandes jornais, colunistas, e diretores de redação de revistas...todos eles chefiam repórteres, são repórteres, passam o dia conversando com repórteres, mas nenhum deles fala com repórteres. Abe Rosenthal, o grande editor do New York Times, uma lenda no jornalismo americano, chegou a escrever em sua coluna que não conversa com repórteres de jornais ou revistas. De onde vem essa alergia do açougueiro à carne? Um profissional da entrevista com jornalistas, Chip Rowe, publicou na revista American Journalism Review uma divertida reportagem sobre a relutância dos colegas em falar com colegas. Segundo Rowe, a grande maioria dos repórteres foge dos repórteres como o diabo da cruz. A minoria que atende tenta criar um ambiente de cumplicidade, mas quer dirigir a entrevista, e a todo instante adverte que tal comentário é em off-the-record, isto é não deve ser atribuído. A maioria dessa minoria também costuma ligar depois para saber se foi tudo bem, quando será publicado, e modifica ou acrescenta declarações. Invariavelmente, todos fazem algum reparo depois da publicação.

“As pessoas da comunidade jornalística têm as mesmas suspeitas do público de que suas palavras serão distorcidas”, escreveu Howe. O redator registrou um caso irônico, desses de churrascaria com dono vegetariano. Burl Osborne, diretor do Dallas Morning News, distribuiu um memorando em que proibia os funcionários de conversar com a imprensa sem a permissão dele. Howe argumentou com Osborne que ele estava controlando a circulação de informações, e ouviu a explicação de que entrevistas não-autorizadas, concedidas por pessoas não de todo informadas, poderiam ser nocivas aos interesses do jornal...

O silêncio de um profissional ou de uma organização jornalística pode gerar situações burlescas — como o furibundo editorial publicado no caderno TV do Jornal do Brasil em 20/5/95. Intitulado “A Globo e a liberdade de informação”, é uma peça antológica do crioulismo doido. Pelo que se entendia, repórteres do JB tentaram obter informações sobre uma série jornalística da TV — Contagem Regressiva, editada e apresentada pelo jornalista Pedro Bial — mas a Globo não quis passar informações e o JB estrilou como se a televisão fosse obrigada a dizer antecipadamente o que ia mostrar aos telespectadores. “Até o repórter Pedro Bial, na época, só poderia falar à imprensa com autorização expressa da direção do departamento de jornalismo. E como ninguém dá a tal autorização...”, indignava-se o JB. Desatinado com a recusa dos jornalistas da Globo de falarem com os jornalistas do JB, o editorial clamava: “Mas e a liberdade de imprensa? Os leitores não deveriam ter o direito de saber o que acontece nos bastidores também do jornalismo da Globo?”

“Quando se faz uma pergunta a um jornalista a conversa entra imediatamente numa zona vermelha”, disse à AJR Edwin Diamond, que escreve sobre mídia para a revista New York. A primeira coisa que os jornalistas fazem é advertir que estão falando em off — a ponto de Rowe ter concluído que tudo o que se pode aproveitar de uma entrevista com muitos jornalistas é o “Alô” com que atenderam o telefone. O professor Ken Metzler, que durante vinte anos estudou as relações entre fontes e repórteres na Universidade do Oregon, fez um diagnóstico cáustico para a alergia dos jornalistas a entrevistas. “É uma espécie de restrição à mídia. A mídia comete tantos erros que os repórteres sentem-se paranóicos para dar entrevistas; sentem-se desamparados”. (Howe registrou em sua reportagem que depois de dar essa declaração, o professor Metzler ligou para comentar que “paranóicos” talvez fosse uma expressão muito forte) . Metzler foi em frente: “Mais que qualquer coisa, os jornalistas temem a perda do controle. As técnicas que eles usam para controlar entrevistas não servem quando estão sendo entrevistados.” Repórteres de mídia, profissionais que na imprensa americana cobrem a imprensa como o setorista da bolsa cobre a bolsa, têm ouvidos pacientes para contornar os problemas que jornalistas criam com as entrevistas. O veterano Kurtz Howard, redator do Washington Post, disse que entrevistar um jornalista é como jogar xadrez com um grande mestre. “Eles oscilam entre o on e o off numa velocidade alucinante; alguns insistem em conduzir a conversa como se estivessem dando um “background” e depois querem negociar o que pode ser publicado. Outros telefonam quatro ou cinco vezes para revisar ou acrescentar declarações e, no final das contas, metade deles vai se queixar da reportagem de qualquer jeito”, disse Howard. “Eu realmente fico espantado com a veemência das queixas sobre aspectos relativamente insignificantes. Dizem algo como ‘você só publicou três das nove coisas que eu disse’, referindo-se a detalhes que eles sabem que normalmente são desprezados. Pelo menos os políticos entendem isso como parte do jogo.”

Esses profissionais concluem que é menos problemático entrevistar gente comum do que enquadrar um jornalista no figurino de uma entrevista. É como se dissessem: o público é mais tolerante com os entrevistadores do que os entrevistadores. “As pessoas do público — políticos, advogados, executivos — às vezes têm um melhor sentido de perspectiva”, disse William Glaberson, do New York Times, outro crítico de mídia que sofre para apurar informações com jornalistas, mas, sinceramente, admite: “Ser entrevistado é uma experiência terrível”.

Veterano entrevistador e um dos jornalistas mais requisitados para entrevistas no Brasil, Augusto Nunes conclui que fala mal na imprensa: ele não se reconhece integralmente na transcrição. A veia do pescoço incha e Augusto afrouxa o nó da gravata ao encontrar entre aspas, como pronunciadas por ele, expressões que abomina. “Eu tenho problemas com os entrevistadores porque, em nove de dez entrevistas que dou, os caras usam palavras que eu proíbo na redação. Por exemplo: “Priorizar”. Eu não uso “priorizar”; eu proíbo “priorizar” sempre. Eles põem na minha boca coisas como “Por outro lado”. Só não põem “via de regra”, que aí também já é demais...” Do outro lado do questionário, a jornalista Deborah Bresser trabalhou durante dois anos como entrevistadora de jornalistas para a revista Imprensa. “Jornalista não gosta de ser entrevistado”, disse. “Estão muito mais habituados a ser inquisidores do que inquiridos. Eu sentia um certo desconforto”. Mas, ao contrário do que relatam os americanos que vivem de entrevistar jornalistas, Deborah disse que reclamação nunca foi a rotina em seu trabalho: “Com as minhas matérias isso nunca aconteceu”.

Com a mesma tarefa de escrever sobre mídia no Los Angeles Times, David Shaw conta nos dedos às vezes em que um jornalista não fez reparos a uma reportagem. Ele disse à que durante uma solenidade do prêmio Pulitzer ouviu a maioria dos vencedores queixar-se de erros na transcrição de entrevistas que deram. “Eram exatamente as mesmas queixas que os não jornalistas fazem”, disse Shaw. A melhor história de Shaw, no entanto, foi anotada quando ele se tornou repórter de mídia, em 1976: um editor do próprio Los Angeles Times se recusou a conversar com ele para uma matéria, e proibiu os repórteres de dizer um “a”.

Uma das explicações para esse mal-estar dos jornalistas com entrevistadores é que eles passam de caçador a caça e sabem o quanto o tiro dói. “Eles vivem de encher lingüiça”, disse Jack Shafer, colunista de mídia do semanário Washington City Paper. “Então sabem o que vai na lingüiça”. Edward Murrow nega veracidade à lenda de que os jornalistas são muito suscetíveis ao que sai no jornal porque têm a pele fina: “Jornalistas não têm nenhuma pele.”

Fonte: Instituto Gutenberg

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