segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Análise_Escândalo

Farejadores de escândalo

Como a falta de rigor levou a imprensa a macular a imagem social do padre Júlio Lancellotti, envolvido em um caso de extorsão e em denúncias de pedofilia

Vinte e um de outubro de 2007. Pouco depois da tradicional missa das seis dominical, os fiéis telespectadores da TV Record foram surpreendidos com uma notícia exclusiva. Paulo Henrique Amorim, apresentador do Domingo Espetacular, anunciava uma entrevista com uma mulher que dizia ter presenciado cenas íntimas entre o padre Júlio Lancellotti e um adolescente. Com a voz distorcida e o rosto não-identificado, a suposta ex-funcionária da Casa Vida teria quebrado o silêncio de quase dez anos conduzida por uma motivação: desmascarar o religioso.

Não raro, como neste caso, os jornalistas dispunham de tudo que precisavam: fonte, lead, manchete, informações. Mas será que tudo deve ser divulgado, em qualquer circunstância? É certo veicular a acusação de uma pessoa que não assume a denúncia, não apresenta provas e não dá informações que possam ser checadas?

As respostas estão no caso e no próprio histórico da imprensa. Cinco dias antes da veiculação da entrevista, o jornal "Diário de S.Paulo", revelava uma investigação policial sobre um bando liderado por um ex-interno da Febem, suspeito de extorquir o padre em troca de silêncio. Foi mais um fenômeno de mídia. Nos dias seguintes, o religioso ganhava as manchetes: "Padre Júlio denuncia extorsão e Igreja cobra proteção do Estado" ("O Estado de S.Paulo"), "Padre Júlio afirma ser vítima de extorsão" ("Folha de S. Paulo"), "O padre e o moço" ("Veja"). Algumas suítes depois, a reviravolta: de vítima de uma quadrilha de delinqüentes, o religioso passou a suspeito de atos de pedofilia.

A quem fosse procurá-lo, logo após a matéria do "Diário", Lancellotti relatava seu tormento. Havia três anos que era chantageado. Reconhecido pela defesa de adolescentes infratores, o padre foi vítima de um desses jovens, Anderson Marcos Batista, 25 anos, que tem ficha criminal por homicídio, e da mulher dele, Conceição Eletério, 44 anos. Após um assalto à casa onde mora com a mãe, que teve um revólver apontado para cabeça, resolveu formalizar uma queixa na polícia.

Durante os três anos, o padre relatou que teve de entregar à dupla cerca de R$ 50 mil, dentre quantias em dinheiro, compras de um terreno e de uma Mitsubish Pajero. Valor depois corrigido para R$ 80 mil. Para intimidá-lo, o casal ameaçava chamar a imprensa e acusá-lo de pedofilia. As chantagens ocorriam por telefone, durante as missas ou frente a sua casa. Também mandavam bilhetes e recebiam dinheiro por meio de dois comparsas, os irmãos Evandro e Everson Guimarães.

Orientado pelos investigadores, o padre começou a gravar as conversas telefônicas com os criminosos. Foi a partir dessas gravações que a polícia prendeu em flagrante, em 6 de setembro, Everson, ao receber R$ 2 mil de Lancelotti dentro de uma igreja. Foi apenas o primeiro do grupo a ir para trás das grades.

O relato não demorou a ser questionado. De onde teria vindo o dinheiro? Quanto teria sido, na verdade, o preço do silêncio? Por que o padre demorou para denunciar a extorsão? Lancellotti não se furtava a responder. A soma vinha de economias e empréstimos. Era difícil saber ao certo quanto cedeu, pois foram inúmeras as vezes que havia sido chantageado. Demorou a ir a polícia porque acreditava que poderia recuperar o ex-interno foram algumas das justificativas.

Fonte: texto Angélica Pinheiro da Revista Imprensa

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