quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Ética_Sequestro

Dilemas éticos
Divulgar ou omitir seqüestro?

Questão reacende a polêmica sobre o papele os limites da imprensa

A divulgação imediata do seqüestro de Patrícia Abranavel, filha do apresentador Sílvio Santos, em 21/08, requentou a polêmica sobre em que situações a imprensa deve omitir uma notícia de interesse público. A TV Globo noticiou o seqüestro imediatamente, e foi seguida pelo principal jornal do grupo, O Globo, e também pelo Jornal do Brasil, Zero Hora (RS) e O Povo (CE), e numerosos meios de comunicação regionais, como o Diário do Grande ABC (SP). Pelo menos a TV Globo, o JB e O Povo explicaram suas razões: a omissão só serve aos seqüestradores. “O Jornal do Brasil publica, desde 1990, quando foi seqüestrado o empresário Roberto Medina, noticiário sobre seqüestros para evitar que a omissão beneficie os criminosos”, justificou-se o JB.


Outros meios de comunicação influentes, como a Folha de S.Paulo e o Estadão, não deram a notícia, seguindo a regra de que cada caso é específico e em alguns, como neste, a omissão pode ajudar as negociações da família com os seqüestradores, beneficiar as investigações da polícia e contribuir para que o seqüestrado não sofra retaliações no cativeiro. A Folha admite, no Manual da Redação, que “pode decidir omitir informação cuja divulgação coloque em risco a segurança pública, de pessoa ou de empresa.”

A decisão de divulgar ou omitir um seqüestro é exclusiva do meio de comunicação. Não cabe nenhum tipo de censura prévia, a exemplo da trava que a juíza Zenaide Pozenato Menegat cravou no jornal O Pioneiro, de Caxias do Sul (RS), proibindo-o de divulgar o seqüestro relâmpago do advogado Tadeu Cerbaro. Ele foi levado no mesmo dia em que Patrícia Abranavel, ficou quatro horas em poder dos criminosos, a notícia saiu nas rádios da cidade, mas a juíza, atendendo a um pedido de um irmão da vítima, proibiu O Pioneiro de, no dia seguinte, quando Cerbaro estava livre havia horas, divulgar um incidente já encerrado.
O Grupo RBS, proprietário do Pioneiro, recorreu da decisão, insistindo em dar a notícia, ainda que velha, não só para desfazer a censura como para garantir a liberdade de imprensa atropelada por uma decisão anticonstitucional da juíza. “Vamos continuar lutando para divulgar a matéria”, disse à Zero Hora o editor-chefe do jornal, Roberto Nielsen.Na edição de 24/08, o Pioneiro destacou com altivez na 1ª página: “Aquele assunto segue proibido”.

Em meio a este desatino jurídico, veio a público outra notícia velha: a de que a Rede Globo fora condenada, em março deste ano, por ter noticiado o seqüestro do empresário Luiz André Matarazzo e seu filho menor, em Indaiatuba (SP), em março de 2000. Os dois foram capturados a esmo por bandidos que não conheciam a identidade deles. O empresário orientou o filho a não revelar o sobrenome Matarazzo, e foi libertado para arrecadar o butim de R$ 100 mil, enquanto o garoto, sustentando que seu sobrenome era Lara, ficava no cativeiro. A notícia saiu no telejornal Hoje, com o pormenor de que o empresário era primo do senador Eduardo Suplicy e do ministro da Comunicação Andréa Matarazzo. Luiz André Matarazzo disse que pediu ao repórter Roberto Cabrini que omitisse a notícia, sobretudo pelo sobrenome, mas o diretor de Jornalismo da Rede Globo, Evandro Carlos de Andrade, considerou, como a rede disse num editorial no Jornal Nacional, que ''seria injusto dar tratamento diferenciado às famílias baseado na sua classe social e nas suas relações com a imprensa''.

O empresário processou a Globo, reclamando indenização por danos morais, e foi atendido pelo juiz Teodozio de Souza Lopes, da 17ª Vara Cível de São Paulo. Na sentença, o juiz concluiu que ''a atitude dolosa da ré desrespeitou a lei, descumpriu a Constituição quanto à inviolabilidade do direito à vida, expôs de forma irresponsável e dolosa a vida de uma criança que estava em cativeiro e desrespeitou o direito à intimidade da família e da criança, que não queriam seus nomes divulgados.” A Globo recorreu e o caso, resumido pela Agência AJB, está sendo julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado. Registre-se que, como sublinhou a defesa da Globo, o resgate não foi aumentado depois que os criminosos souberam o nome da vítima.

As regras diferentes que a elite da imprensa brasileira segue nos casos de seqüestro mostram que o dilema de noticiar imediatamente ou aguardar o desfecho dos casos não tem solução fácil. Ambas as regras são corretas à luz das doutrinas da liberdade de imprensa, da chamada “responsabilidade social dos meios de comunicação”, e da ética jornalística. Apenas uma medida é inaceitável neste dilema: a censura imposta pela Justiça. A liberdade de imprensa vigora, inequivocamente, nos casos em que esteja havendo ou possa haver a intervenção do Estado, como neste, um crime de ação pública que a polícia é obrigada a investigar.

A postura “divulgar sempre”, postulada pela Globo e pelo JB, é, em rigor, um princípio. Ao contrário da regra, que admite exceções, o princípio não se adapta às circunstâncias, ou seja, não muda de acordo com a cara do freguês, e isso quer dizer que o jornal que o adota obriga-se a noticiar até mesmo o seqüestro da filha do dono, ainda que os seqüestradores ameacem matá-la à primeira linha publicada. O princípio tem sustentação mais difícil e, no caso, é mais antipático que a regra “cada caso é um caso”, mas não é menos justo. Embute, inclusive, uma defesa sutil da liberdade de imprensa: quem deve tomar a decisão sobre o quê ou não publicar é o meio de comunicação, não os agentes da notícia, sobretudo quando são bandidos que se acobertam na censura para serem bem-sucedidos no crime.

Em contrapartida, evitar ou adiar a divulgação de um fato para “minimizar o dano” pode ser uma boa prática jornalística. No episódio de Luiz Matarazzo e seu filho, a Rede Globo poderia ter cortado o sobrenome Matarazzo sem mutilar a notícia, mas, em rigor, não infringiu nenhuma lei e portanto espera-se que a condenação que a emissora sofreu na justiça, assim como a da juíza de Caxias do Sul censurando o Pioneiro, sejam reformadas pelos tribunais superiores.






A argumentação do juiz paulista, de que o noticiário da Globo “desrespeitou o direito à intimidade da família e da criança, que não queriam seus nomes divulgados”, é incompatível com a liberdade de imprensa tal como fixada na Constituição. Vale no campo da ética, não do da lei, que é o território da Justiça. Nada disso absolve, no entanto, a imprensa brasileira da grossa rapinagem que pratica com as vítimas de crimes. A mídia também pratica crimes no lide.


Adiar a decisão, ainda que por algumas horas, constitui polêmica, mas é regra aceita em todo o mundo. No Brasil, muitos casos de seqüestro foram embargados – como o diretor do Bradesco Beltran Martinez, em 1986, que durou 40 dias. A imprensa sabe que mais dia menos dia poderá publicar a história completa. Nos Estados Unidos, ficou célebre o caso do diário Tribune de Oakland, na Califórnia (EUA), que em 1974 recusou-se a embargar o noticiário sobre o seqüestro da milionária Patrícia Hearst. O resto da imprensa raptou a notícia por 12 horas, atendendo a pedido das autoridades, mas o Tribune saiu com ela no dia seguinte. Robert Haiman, editor do St. Petesburg Times, apoiou a publicação e reclamou da agência Assocated Press, AP, por ter segurado a notícia. Ao pesquisador H. Eugene Goodwin, Haiman disse que a imprensa deveria ter “aprendido a lição, quando o New York Times [em 1961] tomou a infeliz decisão de suprimir as notícias sobre a invasão da Baía dos Porcos, a pedido do presidente Kennedy.”


Até hoje o Times paga por isso. Mas todos o apoiaram em outra omissão, em 1979, por ocasião da invasão da embaixada americana em Teerã. Os invasores fizeram 52 reféns, e a imprensa dos Estados Unidos, liderada pelo Times, deixou de dizer que uma parte dos funcionários conseguira escapar, antes da invasão, e refugiara-se noutra embaixada. Quando os reféns foram libertados, a notícia foi dada.


Fonte: Instituto Gute

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