terça-feira, 23 de setembro de 2008

Análise_Mídia


Mídia deveria dar a notícia da notícia
Fala-se muito em tiragens e brindes, mas pouco de ética

A venda ao público dos manuais de redação de alguns jornais (Folha, Estadão, Globo e Zero Hora) foi um marco na construção de uma relação de transparência da imprensa com o público. O manual é um contrato com o leitor — as regras neles anunciadas balizam o público sobre a forma como o meio de Comunicação cobre os acontecimentos, seus critérios, seu código de conduta, sua visão do mundo.

É claro que os manuais são ignorados no dia-a-dia, por conveniência ou preguiça, e alguns contêm verbetes ornamentais, como o da Folha, que promete: "Nenhuma acusação criminal contra qualquer pessoa poderá ser publicada sem a comprovação documental". Para avançar minimamente na transparência, a mídia deveria divulgar a atualização dos manuais e a implantação de novos critérios para solução de velhos problemas. As empresas jornalísticas, muito auto-referentes, são pródigas em atulhar seu público com notícias sobre tiragem, venda de anúncios, novos produtos, brindes, furos, mas são sovinas na divulgação de normas de conduta.

Assuntos da ética e da técnica jornalísticas deveriam gerar reportagens de interesse do público, como ocorre nos Estados Unidos. Na verdade, são raríssimos no Brasil os comunicados sobre a implantação de critérios éticos para apuração e divulgação de notícias, e o pior é que não se pode acreditar na sinceridade deles. Por exemplo, o Estadão — acossado por uma reportagem que a revista Veja preparava sobre mordomias de jornalistas brasileiros na Itália — informou que tinha como "norma básica não publicar reportagens de jornalistas em viagens a convite de empresas ou quaisquer instituições". A tal norma básica não vigorou uma semana — e o caderno de turismo do jornal, feito basicamente com reportagens custeadas por hotéis, agências de viagem e companhias aéreas, continuou sendo uma oração de São Francisco.

A questão voltou à baila nas últimas semanas quando cresceu no País um movimento pela classificação de programas da TV. O Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça prometeu exigir das emissoras de TV um controle mais severo dos horários em que passam filmes considerados impróprios para crianças, como, por exemplo, o abusivo Cine Trash, um lixo de terror pornográfico que a Rede Bandeirantes exibia no meio da tarde. A auto-regulamentação é o primeiro passo. A experiência dos publicitários com o Conar é muito positiva: qualquer pessoa pode reclamar , por exemplo, de propaganda enganosa, e o Conselho dá ouvidos: instalou 150 processos em 1995, todos resolvidos internamente sob a guarida da auto-regulamentação. "Achamos que isso é o que deve ser feito", disse à Folha o vice-presidente (à época) da Abert, associação das emissoras de rádio e TV, Luiz Eduardo Borgerth. "Tanto que temos um código de ética e um conselho de ética em funcionamento há três anos".

Não há notícia, porém, de que nesse triênio a Abert advertiu publicamente uma rádio ou uma TV por despejarem lixo na casa dos ouvintes ou telespectadores. O código da Abert é uma letra morta tão enrijecida quanto o cadáver dos "Preceitos" da Associação Nacional dos Jornais.
O Brasil tem cerca de 350 jornais diários, dos quais aproximadamente cem são filiados à ANJ, mas também não se conhece uma só advertência a um jornal que, por exemplo, deixe de indicar (preceito n° 9) que determinada reportagem ou caderno/informe especial é matéria paga. A rigor, as associações atuam como lobbies de interesses corporativos das empresas de comunicação, e a ética ou compromisso com a verdade são valores a que podem aderir de acordo com a sua conveniência, mas não como um imperativo social.

Isso ficou transparente na Declaração de Chapultepec, promulgada pelos jornais filiados à Sociedade Americana de Imprensa (SIP), em 1994. A declaração tem um caráter libertário muito positivo, mas o item 9 reproduz a falta de compromisso orgânico com a ética: "A credibilidade da imprensa está ligada ao compromisso com a verdade, à busca de precisão, imparcialidade e eqüidade e à clara diferenciação entre as mensagens jornalísticas e as comerciais. A conquista destes fins e a observância destes valores éticos e profissionais não devem ser impostos. São responsabilidades exclusivas dos jornalistas e dos meios de Comunicação. Em uma sociedade livre, a opinião pública premia ou castiga."Ou seja, adere quem quer. Valores fundamentais do jornalismo, como a verdade, a precisão e a eqüidade, são enunciados não como um imperativo social, mas como um jogo de mercado. Se, de fato, não cabe ao Estado, através de leis, impôr normas aos meios de Comunicação, a sociedade tem o direito de exigir, inclusive na Justiça, um jornalismo honesto e preciso. Os donos de jornais, por sua vez, poderiam pelo menos se auto-impor a obrigação, não a "responsabilidade exclusiva", de aplicar esses valores.

Fonte: Instituto Gutemberg

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