segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Rádio_Bolívia


Rádio é último bastião pró-Evo Morales na separatista Santa Cruz de La Sierra

As paredes da estação Integración, 102.3 FM, não mentem. Entre fotos de cantores e modelos de biquíni, lá estão vários pôsteres do presidente boliviano, com sua roupa típica do Altiplano. Mas os confrontos de rua nas últimas noites são a verdadeira prova da afiliação dos moradores do bairro popular Plan 3.000, onde mora a maioria dos partidários de Evo Morales na cidade de Santa Cruz de La Sierra.
"Eles querem tomar a rádio, porque é a única voz do povo. Contratam delinqüentes e queimam nossas casas e lojas, mas aqui na estação não conseguem chegar", conta Eduardo Osinaga, diretor da rádio. Já foram quatro noites de guerra de rojões e troca de pedradas nas avenidas de acesso ao bairro mais pobre da próspera capital do Oriente boliviano.

Os autonomistas, jovens universitários de classe média, já lideraram a destruição das sedes locais da TVB, o canal estatal, e da rádio Pátria Nueva, que davam a versão de La Paz sobre a crise política no país. "Eles vêm aqui e nos chamam de 'índios de merda', falam que somos filhos de lhama e que devíamos ficar na montanha e comer pedra por lá", relata o líder do bairro Portugal Quispe, mostrando a componente racista dessa briga.

Há duas Bolívias, e o momento atual acentua suas diferenças. A do Oeste é um país em altitudes acima dos 2.000 metros, de maioria indígena, falando quéchua e aimará, com a capital La Paz como centro e cuja economia decaiu com o fim do ciclo do estanho.

Já sua área oriental, conhecida como Meia-Lua, é formada por departamentos (Estados) que ficam na planície da Amazônia, do Pantanal e do Chaco, tem forte presença de brancos e detém a maior parte dos recursos econômicos, como o gás (em Tarija, fronteira com Paraguai e Argentina) e o agronegócio (o departamento de Santa Cruz é responsável por um terço do PIB nacional).

"Divisão ou morte. Com essa negrada, não dá para conviver", sentencia Luis Alberto Argaz, membro do Comitê Cívico de Santa Cruz, entidade que reúne o empresariado e os comerciantes da região e tem forte tendência separatista. Pela cidade, vários pichações pedem a morte dos "collas", como são conhecidos os índios da montanha.
Rádio Integración

É desse choque que nasce o conflito atual. Afinal, a Bolívia da planície dominou a da montanha durante as últimas décadas, mas com a ascensão do "moreninho" Morales, ex-líder cocaleiro, ao poder isso mudou. Agora os dois lados disputam uma queda de braços por recursos dos impostos e o grau de autonomia das regiões. No último referendo de agosto isso ficou claro, com Morales ganhando no país, mas sendo minoria das áreas do Leste do território.

É uma grande minoria, afinal, os trabalhadores da planície são os migrantes do Altiplano, com 200 mil deles vivendo no lamacento e improvisado bairro de Plan 3.000, construído em 1983, após uma grande enchente arrasar favela em outra área da cidade. "Aqui é a síntese da Bolívia, todas as raças, todas as pobrezas", define Osinaga. No caminho para lá, várias barreiras feitas de montes de areias, pneus e troncos. As cinzas mostram as fogueiras das vigílias para conter as investidas dos rapazes ricos que pedem autonomia.
"Esses filhos dos oligarcas, dos latifundiários, dos contrabandistas tentam nos atacar. Mas nós estamos defendendo nosso território. E eles têm tanta coragem que contratam viciados em cola para vir destruir aqui. Pagam 200 bolivianos (cerca de R$ 40) para esses vândalos, pobres como a gente, mas sem visão para ver o que está acontecendo", dispara Hugo Kayo, outro líder do bairro popular.

Kayo sugere que todas as repartições públicas sejam transferidas para o bairro, afinal, por lá não seriam invadidas e destruídas como foram no centro de Santa Cruz. "Eles já dominaram o país por 500 anos e não querem perder o poder", argumenta Kayo.

Já a vizinha rádio Tropical, com viés autonomista, acabou apedrejada e fora do ar. Ambos os lados se acusam da depredação. "A ditadura já chegou ao limite. Não deixa a gente trabalhar. Assim vou ter que contratar um guarda-costas para mim", se queixa o locutor Fernando Monastério. "Foram os autonomistas que saquearam essa rádio só para nos acusar", se defende Quispe. No jogo informações de uma imprensa entrincheirada como a Bolívia, a verdade é a primeira vítima.

Fonte: Portal Uol, Texto Rodrigo Bertolotto

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