sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Análise_Jornalismo-Espetáculo


"Um dos aspectos mais negativos do atual momento da mídia é o uso abusivo de elementos populistas na definição do enfoque das matérias. Nas últimas duas décadas, a mídia brasileira conquistou a maioridade. Passou a se orientar pela busca abrangente de público, induzida principalmente pela criação de uma indústria de consumo poderosa e pelas agências de Publicidade, que passam a se pautar por indicadores técnicos de audiência na hora de definição de suas verbas.

Esse processo acabou levando a mídia em geral a perder o viés ideológico, a aceitar a multiplicidade de opiniões e a se orientar cada vez mais pelo que julga que seu público está exigindo. Se isso tornou a mídia mais sensível e receptiva aos chamados clamores da opinião pública, por outro lado, trouxe um conjunto relevante de vícios que afetou bastante a seriedade do trabalho jornalístico. Principalmente porque, além da competição entre veículos, passou a ocorrer igualmente à competição individual entre jornalistas, cada qual tentando ocupar seu espaço diferenciado perante o leitor.

Primeiro, tornou a imprensa extremamente conservadora (no sentido de se recusar a ir contra temas consagrados) e medrosa. Assim como na indústria de entretenimento, passou a fugir de qualquer tema que, de alguma modo, pudesse soar ‘impopular’ ao seu público. Por outro lado, passou a supervalorizar temas menores. O conceito de ‘relevância’ quase desaparece, mesmo na imprensa dita mais séria.

Obviamente não se vai pretender que um jornal ou revista só trate de temas ‘sérios’. Há que se equilibrar os temas mais densos com seções mais leves e se recorrer, criativamente, a matérias de leitura fácil, notas leves, curiosidades. Em geral, essa distribuição se dá a partir das próprias editorias -Esporte e Cultura, mais leves; Cidades, com temas do cotidiano; e Política, Economia e Internacional, com temas mais pesados.

Só que, nessa busca incessante da diferenciação, a irrelevância acabou contaminando inclusive a parte mais densa dos jornais. Não se pode perder de vista que jornais e jornalistas exercemos função pública, somos parte relevante do sistema de decisões do País. O papel que a mídia tem a desempenhar na crítica ou defesa das decisões de governo, na identificação de abusos ou de iniciativas meritórias é insubstituível e dos mais decisivos para o próprio desenvolvimento nacional.

Ultimamente o efeito show tem sido preponderante na definição dos enfoques das matérias e colunas. O exercício da indignação ficou banalizado, posto que exercido em questões menores. A campanha contra o cearense da Faculdade de Medicina -o aluno que, bêbado, declarou em tom de brincadeira ter sido o assassino do calouro morto no trote- tornou-se um clássico da irrelevância da mídia.

Esse estilo foi radicalizado pelo aumento da competição não apenas entre órgãos da mídia, mas entre jornalistas. Em todos os níveis -rádio, TV e imprensa escrita-, houve uma valorização do jornalismo opinativo, catártico, fundado em mesmices e obviedades, em detrimento de um jornalismo mais técnico e impessoal, especialmente após a TV ter consagrado a figura do ‘âncora’, a pessoa incumbida de expressar os sentimentos e, especialmente, a indignação ao seu público.

Um ou outro âncora passam, alguns, até, exercendo com competência esse papel -como Boris Casoy e Jô Soares. Ocorre que o exercício da indignação acabou se tornando o objetivo principal da mídia. Ganhou mais importância soltar uma catilinária boba qualquer contra uma frase qualquer do presidente da República do que analisar tecnicamente suas decisões, as implicações para a sociedade, para o País.

Obviamente, deve-se encarar esse processo como uma fase intermediária -do contrário, o melhor a fazer seria desacreditar para sempre na capacidade da imprensa de conquistar a qualidade. À medida que o país vai amadurecendo, vai-se percebendo que esse estilo de Jornalismo-show vai ser superado, ou pelo menos confinado nas seções próprias para tal.

Dentro de algum tempo, o Jornalismo começará a ser analisado, também, de acordo com o conceito de relevância, e não apenas pela catarse que pretende provocar nos seus leitores."

Fonte: Folha de São Paulo

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